domingo, 22 de junho de 2014

AS MANAS

Houve um tempo em que nossos assuntos giravam em torno de bonecas. De pano, de louça, de plástico. De diversos tamanhos, mas todas invariavelmente coloridas que nos deixavam embevecidas pelas suas semelhanças com bebês de verdade. Cada uma de nós tinha uma, não mais que isso. Eternas bonecas de cabelos loiros e longos dos quais fazíamos tranças e coques pomposos. Tínhamos vocação para o sonho. Nossa mãe confeccionava com retalhos as roupas das bonecas. Uma para cada dia da semana. Mas a boneca era sempre a mesma. Nessa época não havia dinheiro para extravagâncias. Houve um tempo em que falávamos sobre namorados. Já adolescentemente lindas, voltávamos dos bailes com a mesma alegria que íamos e ficávamos na cozinha até o amanhecer compartilhando com nossa mãe os acontecimentos da festa. O respeito e o carinho que por ela devotávamos fazia com que dela nada escondêssemos. Na adolescência tudo é muito, tudo é intenso, tudo é instantâneo. Na segunda-feira seguinte sempre tinha um novo pretendente nos esperando no portão do colégio. Eram relacionamentos inocentes, mas nem por isso, menos apaixonantes. Muitos encontros e desencontros. Alguns amores tóxicos outros doces. Houve um tempo em que nossos papos eram sobre vestibular, cursinhos, muito estudo, preocupação com o número de candidatos por vagas e aquela música que anunciava o listão dos aprovados: “2001, uma odisseia no espaço” que nos dava arrepios. A tensão era do tamanho de um caminhão de carga. Tínhamos convicção de que o trabalho e a carreira eram essenciais para nós. O trabalho como fonte de renda e a carreira como fonte de vida. Houve um tempo em que desenhávamos o modelo do nosso vestido de noiva, escolhíamos os padrinhos de casamento, planejávamos nossas famílias e o número de filhos que teríamos. Houve um tempo em que refletíamos sobre a melhor parto, normal ou cesariana. Pré-natal, lista de nomes, outra vez padrinhos, melhor pediatra, febre, dor de ouvido, festa de aniversários, enfim. Nosso tempo era dedicado aos filhos; queríamos que eles fossem felizes. Houve um tempo em que nossas vidas se voltaram novamente para as escolas, cursinhos, vestibular e num piscar de olhos nossos filhos se tornaram doutores. Houve também um tempo de perdas. Fomos contemplados com afastamentos escorregadios e prematuros. Sem fazer alarde, o ciclo da vida foi se completando naturalmente. Hoje estamos afastadas por alguns quilômetros, mas continuamos com a mesma sintonia. Conectadas pelas mídias, pelo coração, pelas lembranças, pelos diálogos muitas vezes sem palavras. Somos seres enraizados. E agora podemos ser quem realmente somos sem a interferência de ninguém, pois a opinião alheia já deixou de nos machucar faz tempo. Viver é um processo. Nosso personagem nunca está terminado. Ele vai sendo construído conforme nossas vivências e escolhas e acreditamos que quanto mais o tempo passa, mais se torna necessário simplificar a vida. Ter uma família é uma bênção. Junho/2014

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