domingo, 23 de agosto de 2015

CHEGANDO AO FUNDO DO POÇO

Hoje tenho um angustiante compromisso. Listar minhas despesas do mês e escolher as contas que precisam ser pagas com maior urgência. As que restarem, só Deus sabe o que vai acontecer. Não sou caloteira e nunca assumi compromisso que estivesse acima das minhas possibilidades. Sou uma mulher honesta e responsável. Meio parecida com meu pai que só comprava alguma coisa se tivesse todo o dinheiro no bolso. Hoje me encontro numa condição lancinante. Depois de algum tempo lutando pela melhoria da educação pública, pela conquista de um piso salarial já amparado em lei, pela valorização geral do magistério, vou receber no final do mês quinhentos reais pelo meu trabalho realizado como professora da Rede Estadual de Educação do Rio Grande do Sul. Na avaliação do governo, essa quantia é suficiente para uma professora que atende quatro turmas do Ensino Fundamental e três do Ensino Médio. Coisa pouca... Mais especificamente, ensino Língua Portuguesa para adolescentes e Literatura Brasileira para jovens e adultos. Isso quer dizer que tenho a responsabilidade de fazer com que alunos de 12 ou 13 anos desenvolvam o hábito da leitura, transitem com aptidão no universo da língua culta e aprendam a se comunicar utilizando os diversos tipos de linguagens disponíveis. Tenho a importante incumbência de mostrar a eles que as variedades linguísticas existentes são aceitas e legítimas não cabendo nenhum tipo de preconceito. Preciso também ensiná-los a amar a língua pátria e dela sentirem orgulho sem precisar lançar mão de vocábulos estrangeiros. No Ensino Médio me cabe estimular pessoas que, por uma razão ou outra, deixaram os bancos escolares e agora retornam esperançosos. Devo mostrar a eles que a arte da palavra nos leva a um mundo de encantamentos e que a literatura é um belo caminho a seguir. Usando minha saudável cota de extravagância viajo com eles em todas as formas de arte e possibilito o conhecimento de outras culturas. Tento mostrar-lhes que para ter um lugar ao sol é necessário passar pela escola. Para os governantes isso que faço não tem valor, ou melhor, vale no máximo quinhentos reais. Em meio a essa profusão de ideias e pensamentos, lidando com realidades não raras vezes em frangalhos, conflitando com famílias sem sustentação que frequentemente nos culpam pelas mazelas emocionais que carregam, nós, professores, vamos driblando nossos próprios dramas e lavrando um campo novo para poder acomodar as situações que surgem. É duro e perturbador ter que aparar celeumas que divorciados de seus contextos caem em nossas mãos como borboletas feridas. E sempre temos que ter uma palavra de conforto e de motivação mesmo que tudo o que mais falte seja motivo para a ação. Nem vou mencionar o tempo que dediquei a minha formação, os cursos, as especializações, os concursos... Para o governo, tudo isso é ainda muito pouco. Essa é minha profissão e a ela me entrego com entusiasmo e sensatez. Não obstante, não somos valorizados como profissionais. O governo trata o magistério com descaso. Querem que sejamos missionários da educação ou até mesmo que as aulas funcionem como catarse. Não bastasse o nosso minúsculo salário, temos que conviver com pagamentos parcelados e agora a aberração de receber no final do mês a quantia de quinhentos reais. Isso é indigno. É ultrajante. É obsceno. Sou uma profissional e como tal tenho o direito de receber meu salário integral sem ter que fazer movimentos reivindicatórios para me apropriar do que já é meu de direito. Não aprendi os arroubos da mágica, mas estou percebendo que o governo quer que desempenhemos mais essa função. Jogar na loteria é uma outra alternativa. Tamanha falta de respeito é desconcertante. Estamos no limite entre o sadio e o patológico. Ângela M. L. Sauthier AGOSTO/2015