O termo infância, etimologicamente significa ausência de
fala. O infante troca sílabas, confunde significados, tem um vocabulário pobre.
Nessa fase, a linguagem é escassa, mas a imaginação e a criatividade são
abundantes. Não é por acaso que esse é o tempo que mais deixa saudade. Eu fui
uma criança abençoada. Sinto o cheiro da infância, sinto o gosto da infância,
sinto a inquietude da infância. Guardo lembranças memoráveis dessa época.
Revivo momentos que me marcaram com tanta sagacidade que permanecem intactos na
minha mente e na minha alma. E para lá eu retorno nas noites de insônia, nos
momentos de muita ansiedade ou quando penso que tudo está perdido, sempre na
tentativa de contrapor épocas tão distintas.
O poeta dizia que a vida é a arte do encontro embora haja tantos
desencontros. A infância é o local dos meus encontros. Como era lindo o pomar
da minha casa e como eram grandes os dois pés de pera plantados ao lado do muro!
Do alto dos meus quatro anos eu imaginava que suas folhas alcançavam as nuvens. Nas noites de vento norte, seus galhos
carregados de frutas batiam no telhado da casa fazendo um barulho
ameaçador. Assustada e imaginando histórias fantasiosas, eu escondia a cabeça
embaixo do travesseiro e rezava para o meu anjo da guarda. Minha mãe dizia que
ele protegia até as meninas arteiras. Na manhã seguinte, às vezes já com chuva
– depois de três dias de vento norte sempre chove- o quintal amanhecia como um
tapete verde. Minha tarefa era juntar as peras caídas, colocá-las em um cesto
de vime para depois descascá-las. Minha mãe fazia doce com calda que era
guardado em potes de vidro bem fechados para serem servidos às visitas nos
domingos. Algumas peras eram assadas em um forno a lenha e servidas ainda
quentes na hora do lanche. Ainda sinto o gosto das peras assadas. Quando as
folhas das árvores caíam e seus galhos ficavam nus, eu aguardava a nova florada
e acompanhava outra vez a transformação das minúsculas flores em frutinhas, e
eram tantas que faziam os galhos se curvarem. A felicidade vinha de coisas tão
simples. Como explicar a singeleza das
folhas verdes bailando no ar? Essas pequenas lembranças me causam melancolia alguma
vezes. Sinto saudade de um tempo que não mais voltará e que ainda desperta em
mim sensações inexplicáveis.
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