sábado, 16 de novembro de 2013

EFEMERIDADES

Hoje não estou para brincadeiras. Falar sério também não quero. Só preciso pensar em nada. Preciso sentir o calor do sol e principalmente ouvir o barulho do vento. Minha cumplicidade com o vento é antiga. Minha imaginação voa com ele. Brincar com o vento disponível, complacente e provocador me faz mais viva. Gosto de vê-lo bater nas vidraças das casas gemendo como criança enferma e com maestria fazer as folhas rodopiarem feito bailarinas. Hoje só permito a presença do vento. Tenho que dividir com ele minhas angústias sem apelo. Com o coração blindado quero desfrutar de sua companhia docemente. Preciso fugir de pensamentos exterminadores do amanhã, pois acredito ser possível morrer diante dos fracassos e frustrações e voltar para a vida. Vou vagar a toa junto com o vento para depois fazer remendos na minha alma inquieta. Quero me empanturrar de esperanças. Novembro/2013

sexta-feira, 15 de novembro de 2013

O BARULHO DOS ESQUECIDOS

Habitamos um planeta formado a partir da poeira cósmica concentrada pela força da gravidade. Aqui neste universo quase doméstico, a humanidade procura vivenciar seu apogeu diário. O passado lhe é obsoleto. O futuro, uma mera continuação. Em meio a essa corrida enlouquecida pelo sucesso, um olhar mais atento e generoso pode perceber cenas que chocam. Homens, mulheres e crianças, em uma cumplicidade invisível, fazem brotar do lixo o sustento de suas famílias. É a desigualdade mostrando sua cara nesse compartilhamento de misérias. Transformar o resto dos outros em alimento é expor a alma. Há não muito tempo, ver pessoas dentro dos containers abrindo sacolas de lixo para selecionar o que fosse possível e fazendo a vez de animais ao puxar suas carrocinhas nos causavam indignação. Hoje essas cenas fazem parte da nossa rotina. Anonimamente e engolidos pela engrenagem social, eles ajudam a salvar o planeta e manter limpa a cidade que os rejeita. Apesar de estarem numa situação de constante vulnerabilidade e expostos a riscos degradantes, conseguem alimentar seus sonhos com a perspectiva do que encontrarão no dia seguinte, assim como o garimpeiro espera encontrar sua bamburra. Afinal, o pensamento é uma aventura sem igual. Essa forma de exclusão sutil e humilhante se propaga diuturnamente pelas ruas, praças e avenidas. E nós, no conforto de nossas vidas privilegiadas, individualistas e indolentes assistimos ao pálido espetáculo sem fazer barulho. Não temos tempo para pensar na falta de escolarização dessa gente, no plano de saúde que nunca existiu, na escassa vaidade permitida a essas mulheres, na frustração das crianças que sobrevivem de sobras e só conseguem desfrutar da infância quando algum menino joga um brinquedo no lixo. Nossa vaidade considera uma grande ajuda separar garrafas pet que estão ocupando espaço em nossas casas para dar aos catadores. Achamos que com esse gesto estaremos fazendo a nossa parte. É necessário começar a ver além do que queremos ver para não sermos massacrados pelas próprias ações. A fotografia do Brasil precisa ser mudada com urgência. Novembro/2013