quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

EM ESTADO DE GRAÇA

Eu tenho a péssima mania de guardar meus sapatos nas suas caixas.Isso faz com que meu closet pareça uma loja de calçados.Todos estão devidamente identificados pela cor,modelo e salto. Sou sapatomaníaca. Penso que todas as mulheres são um pouco. Nada me atrai mais do que um belo par de sapatos. Salto alto sempre. Mantenho uma relação quase passional com eles e os considero mais importantes que as roupas e as jóias. Tenho uma coleção. De todas as cores, modelos, texturas e alturas. Esse deslumbramento por sapatos iniciou lá pelos meus 4 ou 5 anos de idade. Minha mãe saía para as compras, eu roubava seus sapatos e desfilava para minha amiguinha invisível. Sentia-me um mulherão. Tem quem diga que as mulheres gostam de sapatos porque sabem que junto com ele vem um príncipe encantado. No meu caso, a admiração por eles cresceu devido a uma convivência não muito pacífica que eu tive com um sapato furado e bem surradinho que usava para ir ao colégio. Não havia dinheiro para futilidades e regalos nessa época. Com o tempo, o trauma deve ter se transformado em compulsão e passei a ter uma boa relação com os sapatos. Hoje são meus melhores amigos. Dizem que as mulheres não esquecem do primeiro sutiã. Eu nunca esqueci do meu primeiro sapato de salto. Era roxo, tinha um tope gigantesco e salto 4. Por um bom tempo não o tirei dos pés. Usava para ir na missa do domingo, nas festinhas com as amigas, na casa da vó, da tia, da madrinha e diariamente para desfilar em frente ao espelho. Adorava ouvir o barulhinho do salto. Meu pai detestava. Não tinha o que fazer. Toda família tem seus dramas. Para mim, roupa é secundária, entretanto o sapato é o personagem central. Algumas vezes tem um que uso mais que os outros como o scarpin preto com uma borboleta na lateral. É um sapato de respeito. Ele valoriza qualquer roupa. Pelo menos foi o que disse o vendedor para justificar o alto preço. Ele só foi para a caixa quando vi o vermelho na vitrine. Vermelho é a cor que pulsa. Foi paixão a primeira vista. Uma tarde dessas, meus neurônios ficaram inquietos quando avistei um tigrado de marfim com preto na prateleira. Entrei na loja com aquele ar de quem não está nem aí e pedi meu número. O último par é o que a moça de branco está provando, resmungou a vendedora. Não me chamem de fiasquenta, mas invoquei todos os meus santos protetores e rezei um pai-nosso de olhos fechados. A moça de branco experimentou o pé esquerdo. Todas nós calçamos o esquerdo primeiro. Ela ergueu-se da poltrona, olhou-se no espelho, de frente, depois de perfil, tirou o sapato do pé e devolveu para a vendedora. Como não confio em coisas muito enroladas, comprei o sapato. Saí da loja de cabeça erguido com um sorriso de vencedora. Quando estou cansada da minha companhia, calço um salto 10 bico fino e vou ao shopping. Lá por mais que eu me esforce para sentir um desejo incontrolável de comer fondue de morangos no Cacau Show, olhar as sais da moda ou um brinco chiquérrimo, meu olhar teima em se dirigir para as lojas de calçados. É mais forte do que eu. Sempre que você encontrar uma mulher de nariz empinado, sentindo-se a verdadeira Evita Péron, não tenha dúvida, ela comprou um sapato novo. Também vale o contrário. Quando uma mulher estiver deprimida, convide-a para olhar sapatos e veja o que acontece. Os homens têm muita dificuldade de entender a alma feminina. É que no guarda-roupas deles cabe apenas um par de sapatos, um tênis e um chinelo de dedos. Às vezes um par de botas. O domingo finalmente aparece e nada para fazer. Calço meu sapato pink, o que tem uma pedrinha de falso brilhante no solado, preparo minha cara de receber declarações de amor e convido meu marido para tomar um vinho. Grand finale. Fevereiro/2014