terça-feira, 5 de março de 2019

ANTES DE PARTIR (Parte 1)

     Aquele ano não começara bem para ele. As espaçadas indisposições que surgiram antes do Natal tornaram-se frequentes dores abdominais em Março. Consultas médicas, exames de sangue e de imagens, corridas a especialistas, choro contido e o diagnóstico mortal.
     Agora, da janela do quarto do hospital, observo o galho da árvore balançando ao vento. O silêncio da noite me reporta ao longo ano de quimioterapias. Apesar do prognóstico, a morte não estava em seus planos. Tinha convicção de que ainda teria uma vida longa. Por generosidade me esforcei para acreditar nisso também. Construí um mundo de faz de contas para que o desalento  não o atingisse.
É aterrorizante saber que a morte ronda nossa casa. Isso fez com que eu me embrulhasse em tantas coisas e depois não soubesse sair dos embrulhos. Estranho estar ali naquela hora ouvindo o ruído do vento e temendo que o pior acontecesse. Estranho não termos nenhum  controle sobre a vida.
     Nas brincadeiras das horas bobas, ele dizia que quando "subisse" queria alegrias em sua volta. Olho agora seu rosto sonolento  revestido de dor e as batidas do meu coração ficam  mais fortes Vejo de relance a cara desgrenhada do vento e as batidas do meu peito se aceleram. Finalmente amanhece. Cheiro de café passado. O movimento das enfermeiras no corredor do hospital recomeça. Mais uma noite de vida.

FEVEREIRO/2019
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