segunda-feira, 13 de janeiro de 2014

SINGELO COMO O ARCO-ÍRIS

No domingo à tardinha, quando a chuva cessou, começou a formar-se em frente aos morros um dos tantos milagres da natureza: um arco-íris. O encantamento que esse fenômeno provoca é enternecedor. Fiquei por alguns instantes numa inebriante contemplação que me remeteu a um tempo mágico. Lembrei-me então de tio Cássio. Tio Cássio não era tio de ninguém. Pelo menos de ninguém que conhecíamos. Mas era chamado de tio por todos da rua. Não sabíamos exatamente qual sua origem. Apenas que morava num casebre de dois cômodos na periferia da cidade. Não tinha parentes. Eu não saberia dizer sua idade, mas era um homem judiado pela dureza da vida. Como ainda éramos crianças, ele parecia ser um velho. Era baixo, taludo, poucos cabelos, muitos sulcos na testa, rosto e mãos queimados do sol. Nessa época, o sol fazia bem. Nunca tínhamos ouvido falar em camada de ozônio, muitos menos em câncer de pele. Fico imaginando como seria engraçado ver tio Cássio passando protetor solar antes de começar seu trabalho. Um palheiro no canto da boca e um grande chapéu de palha eram seus companheiros. Homem calado, de poucas palavras e as que pronunciava não tinham lá muito brilho. Nascido e criado no interior trazia com ele expressões que soavam estranhas a nós, como “devereda”, “dejá- hoje”, “vivente” ao mesmo tempo que seus olhos verdes e humildes não retratavam o permanente conflito em que viviam as pessoas que habitavam os centros urbanos. Tio Cássio era um despretensioso homem da campanha. Por ter sido afastado da vida do campo por falta de oportunidades ou por estar cansado de ser peão, assumiu com propriedade a função de limpar pátios e quintais dos moradores da minha rua. Tinha se tornado um profissional liberal. Trabalhava quando queria, no horário que lhe convinha. Cortava grama, capinava, cuidava das hortas, varria os quintais cobertos de folhas. O que mais gostávamos era quando, no final do dia, tio Cássio juntava todo o lixo e queimava. Naquela época, queimar lixo era permitido. Enquanto amontoava folhas e galhos secos, esse homem rude fazia nossos olhos brilhar de curiosidade ao ouvir suas histórias. Com ele aprendi que na nascente do arco-íris tem um pote cheio de moedas de ouro e que é um duende criativo que pinta o céu de vermelho, laranja, amarelo, verde, azul, anil e violeta. Confesso que muitas vezes senti vontade de procurar esse pote. Sem família, um dia na nossa casa, outro na casa de dona Neusa, ou de dona Julieta, virando terra, varrendo quintais, tio Cássio, na estreiteza de sua existência parecia ser um homem feliz. Sem querer entrar no terreno da psicologia, me atrevo a dizer que as pessoas mais ignorantes são precisamente as mais felizes. Esse humilde agregado tinha uma sensibilidade refinada e podia se dar ao luxo de ser quem realmente ele era. Nunca mais o vi, nem sei se ainda vive. Mas uma doce lembrança dele ficou em meu coração. Janeiro/2014