Estava subindo a Venâncio Aires numa dessas tardes quentes
de fevereiro, quando percebi que o tempo mudou de repente. O céu antes
escandalosamente ensolarado deu lugar a nuvens negras que se movimentavam com
rapidez. Um grande temporal se armava na
minha Santa Maria. As pessoas ficam agitadas quando isso acontece. Na minha frente, seguiam apressadas mãe e
filha de mãos dadas. A menina que deveria ter uns 5 ou 6 anos, chorava porque
queria um sorvete. Não sei exatamente qual o combinado entre elas antes, mas
certamente o temporal que se insinuava alterou os planos da mãe. A menina não
aceitava e queria porque queria o tal do sorvete. A mãe então argumentou que a
chuva estava próxima e elas teriam que correr até a parada para não perderem o
ônibus. De nada adiantou a explicação. O choro da filha, a princípio manso, foi
aumentando até se transformar numa súplica birrenta e medonha. Segui observando
a cena para ver o desfecho. A menina, com toda a tirania peculiar de criança
sem limites continuava testando a mãe, que, como todas, carregava aquele pesado
sentimento de culpa por ver um filho contrariado. Junta-se a isso a vergonha
que estava sentindo por ser personagem de um espetáculo que já chamava a
atenção das pessoas que por ali passavam. Foi então que a mãe iniciou o processo
mais rápido de perda de autoridade materna: negociou com a menina:
- De noite eu faço batata frita pra ti, prometeu a mãe.
- E massinha também, determinou a filha.
- Massinha também, concordou a mãe.
A pequena ditadora enxugou as lágrima, ergueu o rostinho
brejeiro e ambas subiram no ônibus. Acompanhei com o olhar abstraído o coletivo
que dobrou na Avenida Rio Branco. Fiquei pensando cá com meus botões: que
oportunidade essa mãe perdeu de ensinar limites a uma criança. Educar é
trabalhoso, exige paciência, firmeza, equilíbrio. E as mães têm dificuldade de
dizer não, pois o não é sempre uma frustração de um desejo. No entanto, são
justamente essas pequenas frustrações que vão formando o caráter de uma
criança. Na cena que eu assisti, aquela mãe achou mais confortável ser
conivente com a manipulação da filha e colocar um ponto final no problema. Os
padrões comportamentais familiares sofrem uma grande desorganização. Está se formando uma geração de príncipes e
princesas com mais direitos e liberdades do que obrigações e responsabilidades.
A vida aqui fora nos obriga a respeitar limites e as crianças precisam estar
preparadas para isso. Melhor seria que elas aprendessem no ambiente familiar e que
os pais não delegassem à escola e a seus professores esses ensinamentos. Segui
meu caminho torcendo para que a chuva esperasse eu chegar em casa.
Ângela Lorenzoni Sauthier
Março/2016