terça-feira, 30 de dezembro de 2014

REZA PARA O ANO NOVO

Afastai-me, Senhor, de pessoas intolerantes, amizades falsas, mulheres invejosas, vizinhos chatos, creme de leite. Afastai-me do automatismo, dos espumantes baratos, da preguiça de caminhar todos os dias, de torta de morango, do hábito de falar alto e acordar tarde, da mediocridade social. Livrai-me da futilidade de gostar de perfumes importados, bolsas de marca, de ter uma vista bonita e alguns amigos influentes. Livrai-me da mania de achar que todos têm que pensar como eu, amar música, ganhar pouco e trabalhar bastante; de não saber lidar com pessoas deselegantes e mal-humoradas, de me deixar levar pela intuição. Perdoai-me por ser barulhenta, não falar bem uma língua estrangeira, não ser preconceituosa, gostar de bons vinhos, estar sempre de dieta apesar de adorar doces. Perdoai-me por não suportar hipocrisia, boataria, injustiça e gente sorrateira. Perdoai-me por vir de uma família humilde, por nunca esquecer minhas origens, por ter orgulho de meus pais, por rir mais do que me lamentar, por falar muito. Perdoai-me por gostar de ler muitos livros, achar David Coimbra um gênio, querer solucionar os problemas de todos, não pertencer à Academia Santa-Mariense de Letras, dormir sempre muito tarde. Perdoai-me por confessar aos outros meus defeitos, cultivar amizades, gostar de jantar fora, receber visitas, não ficar longe do celular, me levar demasiadamente a sério, tomar Coca-Cola Zero e descer do salto com facilidade. Fazei, senhor, com que eu me aproxime mais dos que de mim necessitam, fuja de gente prepotente, dos alimentos muito calóricos; saiba administrar as turbulências, tenha equilíbrio nas principais decisões, me encante com coisas pequenas e continue me chocando com a discriminação, o radicalismo e a politicagem. Fazei com que eu seja cúmplice dos meus amigos, não perca minha identidade, goste mais de poesia. Fazei com que eu trate a todos com respeito, dê mais carinho e atenção aos que comigo convivem e um tratamento Vip às pessoas humildes. Fazei, Senhor, com que eu perceba que não tenho o controle de tudo, me aproxime do que é bom, belo e saudável, não seja tão estabanada, valorize menos a sobremesa e saiba viver sem aplauso e sem plateia. Obrigada, Senhor, pelo sol, pelo alimento, pelas pessoas que me ajudaram e pelas que me viraram as costas, pela chuva, pela aventura de ser capaz de pensar, pelos meus amigos, pelo meu trabalho, pelas flores, pela capacidade de dialogar com minhas dores, por poder decidir minha vida. Obrigada por ter aprendido a lidar com as perdas, pelos encontros e desencontros, por poder sonhar e às vezes chorar, por ter conquistado o direito de fazer somente o que eu gosto e aprender a gostar do que não gosto. Obrigada pela minha família, meus filhos, meus vizinhos, meus colegas de trabalho que, acima de tudo, são amigos e parceiros, criativos e unidos em todos os momentos. Obrigada pela lucidez e capacidade de escrever meus pedidos e agradecimentos. Muito obrigada pela vida. Amém. Ângela Sauthier Dezembro|2014