Lhe digo, não sou eu que
atraio minhas tristezas. Fujo delas como o diabo da cruz. No entanto o
desalento me absorveu. Sinto como se estivesse carregando o fardo do mundo.
Sempre que batia asas, olhava para trás na espera de que alguém viesse a meu
encalço. Agora me perco na escuridão dos dias sem sentir medo. Meu coração não
oscila mais segundo as estações do ano. Está ficando cheio de nada. Bate
devagar. Logo eu que sempre apostei nas emoções. Aquelas extraordinárias,
porque as moderadas são cheias de tédio. Logo eu que sempre tive um formidável
apetite de viver. Não me reconheço mais.
Dou um salto mortal na memória e percebo que na minha meninice não existiam
dias iguais. Luminosos, nublados ou chuvosos vinham sempre abarrotados de
utopias. Na adolescência ainda se espera muito da vida. Lampejos de sonhos nos
perseguem. Eles moram dentro da gente. O senhor que conhece os labirintos do
coração sabe que é preciso ter cuidado com o que se busca, pois nada é para
sempre. Hoje o mundo parece estar desvestido de alegrias. Essa vida louca que
me faz tombar aos pedaços quando percebo que fui expulsa da minha própria
condição para dar lugar ao momento presente que me castiga com rigidez. Olho
para os lados e só vejo gente triste. Deve ser por culpa do tempo, esse intruso
que escorre como óleo espesso e faz crescer a nossa rotina.
O doutor sabe que a vida é uma
sucessão de perdas e eu não quero viver recolhida no vazio da minha existência,
no silêncio protocolar dos dias opacos, nem faminta de afetos. Preciso
acreditar que não perdi a razão para seguir com a minha história. O senhor tem
sido meu melhor conselheiro nas horas em que minha alma sapateia desolada. Por
isso faça eu aceitar a condição de não ter nascido para moldar almas.
Olho para a janela e espero que, como uma
doença, a noite passe logo. Vou sair do escuro sem fazer barulho, na ponta dos
pés. Vou encontrar o dia. Vou encontrar o sol. Eu preciso de sol para viver. O
que eu queria mesmo, doutor, era uma transfusão de vida.
Ângela M. L. Sauthier
Janeiro/2017