quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

PRECONCEITO À FLOR DA PELE

Violência, manipulação, mau-humor, engarrafamento no trânsito, falta de educação. Convivemos com essas tragédias a todo o instante. Eu acrescentaria mais uma nessa lista: preconceito. Ele existe de diferentes formas e tamanhos. Alguns mais antigos e já incorporados na cultura popular e outros mais modernos que ainda estão sendo debatidos e justificados pelos falsos moralistas. Esse é um tema já surrado, mas sempre atual. Mesmo testemunhando todos os dias o preconceito aflorando de várias formas nas pessoas, ainda consegui me surpreender com uma forma inusitada de demonstrar esse sentimento. Este apareceu da maneira mais sórdida possível: velado, disfarçado, escondido, dissimulado. Eu descia para o trabalho quando fui surpreendida por uma moradora do segundo andar que esperava o elevador acompanhada de um cachorrinho branco e bem cuidado. Quando a porta abriu, a elegante senhora perguntou-me se o cachorro preto estaria ali. Eu, que mal conheço os moradores do prédio, menos ainda os animais de estimação, disse-lhe que ali não havia cachorro nenhum. Mais tranquila, porém com o mesmo olhar gélido, ela e seu cão entraram no elevador e descemos juntos mais dois andares. Sem me olhar, comentou que no quinto andar tinha um cãozinho preto muito agressivo que atacava o seu sempre que se encontravam. Depois de um rápido silêncio, continuou quase num murmúrio solitário: aquele cachorro é complexado. Estranhei o comentário. Conheço pessoas complexadas por alguma razão: estatura, cor do cabelo, tamanho do pé, timidez, enfim. Não entendo muito de animais, e sempre pensei que complexos estivessem ligados a seres racionais, por isso perguntei qual seria o motivo do complexo do cão feroz? Sem hesitar, aquela senhora respondeu-me: porque ele é preto, ora! A porta do elevador abriu-se antes que eu conseguisse me recompor do susto. A princípio não quis acreditar no que tinha ouvido. Pensei não ter entendido direito, que fosse uma brincadeira da dita senhora. No entanto, com a mesma seriedade com que entrou, ela saiu do elevador, deixando bem visível que seu preconceito transbordara a tal ponto que até atingiu um animalzinho inocente. Espanto-me com a capacidade de certas pessoas, que como esponjas, absorvem sentimentos negativos com tanta intensidade que conseguem transferir aos animais parte de sua ira e rejeição pelo que é diferente. Elas trazem de arrasto uma nuvem negra que se espalha onde encontra espaço. Tudo é somente casca. Essas pessoas mantêm na sua rotina uma incansável procura por tudo que não lhe agrada, o que não é tão pouco, e quando encontram atacam de uma forma muito mais feroz e agressiva do que o temido cachorro preto. O bom de tudo isso é que a máscara cai e vemos somente suas reluzentes fardas. É uma bagagem mais ou menos medonha que algumas almas escuras carregam consigo, mas isso não as autoriza a empilhá-las nas fraquezas dos outros. Mas o que importa é a história e não os personagens. E esta deixa claro que o ser humano precisa evoluir muito e compreender que a humildade sempre soma muitos pontos. Dezembro/2013