domingo, 13 de outubro de 2013

NOSSOS VELHOS

É outubro.Estamos comemorando o dia da criança. Deveria escrever sobre elas, mas uma visita que fiz um dia desses me obriga a ir na contramão e falar sobre os velhos. Naquele ambiente lúgubre, uma senhora ocupava uma cadeira de balanço. Seu olhar parecia perdido em um ponto qualquer da sala. Uma revista do Avon jazia em seu colo envelhecido. Os cabelos eram ralos, sem cor e os sulcos que marcavam aquele rosto denunciavam sua idade. Deveria ter mais de oitenta. Apesar de estar rodeada de mulheres como ela, sentia-se solitária. Mesmo com apelidos pomposos com Casa de Repouso, Clínica Geriátrica ou Abrigo, os asilos sempre me lembram abandono. E nada aterroriza mais o ser humano do que a solidão. Fico a observá-la de longe. Tem traços delicados. Quando jovem, devia ter sido uma mulher bonita. A revista em seu colo mostrava resquícios de vaidade. A mídia sempre se refestelou com a vaidade feminina transmitindo a ideia de que temos que ser belas e jovens eternamente. No entanto, o tempo tinha lhe levado tudo, até sua família. A vida lhe mostrou o isolamento absoluto. Por que razão o mundo teria lhe virado as costas? Tento adivinhar seus pensamentos. Ela continua imóvel olhando para o nada. Essa mulher teria algum sonho? Fazia planos? Um turbilhão de indagações tomou conta de mim. Fui me aproximando. Ofereci-lhe chocolates. Não conheço ninguém que não goste de chocolates. Ela perguntou-me se eu tinha visto seu filho. Neguei com convicção. Agora ela fitava furiosamente o ponto perdido. Tinha certeza de que o filho voltaria para buscá-la. Há vinte anos esperava por ele. Foi um tempo quase insuportável. Não almejava ter de volta o que a vida havia lhe roubado. Queria apenas ser lembrada pelo filho. Bem diz Freud que não existe nenhum sentimento tão poderoso, tão incondicional, tão desprovido de agressividade como o da mãe pelo filho homem. Esse amor a mantivera viva por todos esses anos. Lembro então de que nas civilizações orientais, o idoso é visto com respeito e veneração, pois representa uma fonte acumulada de saber. Na nossa, ele representa o velho e o ultrapassado. No entanto, há moços velhos e reacionários. E velhos inovadores e abertos. De qualquer forma, um temente a Deus deveria saber que, apesar de todas nossas razões e insatisfações, deixar um familiar idoso no ostracismo é imoral. A cultura de eliminar quem não tem eficiência é obscena. Com aquele olhar de quem pede desculpas por ser do jeito que é, aquela senhora levantou-se e resignadamente dirigiu-se ao quarto que dividia com outras três mulheres. Amanhã seria outro dia de espera. Meu coração ficou do tamanho de uma ervilha. Outubro/2013