segunda-feira, 23 de setembro de 2013

HOMENS E PÁSSAROS

Sou uma mulher de cidade. Nunca fui muito chegada em acampamentos, em matos, em bichos, em tomar banho de rio. Mosquito é sempre inimigo mortal. Isso não significa que eu não curta a natureza. Um dia desses, presenciei uma cena que me comoveu. Um João de Barro construindo sua casa em frente ao meu prédio. Sei que eles preferem lugares altos e protegidos do vento e estão perfeitamente adaptados às cidades. Por isso, é muito comum utilizarem os postes de energia elétrica. Mas quanto atrevimento! Tinha que ser numa das avenidas mais movimentadas e barulhentas da cidade? Esse João de Barro poderia ter sido mais humilde e escolher o galho de uma árvore de um parque qualquer, ou um desses matagais existentes nos quintais de algumas casas. Por que não uma dessas cidadezinhas bucólicas próximas daqui? Afinal, pássaros amam a natureza, o céu azul e a liberdade. Percebi que esse já é urbano e gosta de ostentar. Um colega meu, defensor das classes oprimidas, diria que é um pássaro burguês. No alto de um poste, atrás de uma sinaleira de três tempos, cercado de barulho de buzinas, motores e freios, a ave decidiu construir seu lar. O barulho dos carros, o movimento das pessoas e as sirenes das ambulâncias que por ali transitam de quinze em quinze minutos, não o intimidou. Afinal, é uma ave civilizada. Sou a sua vizinha mais próxima, pois da sacada do meu quarto assisto a toda rotina do João de Barro. Acompanhei a construção desde o início. Foi poético o transporte do material. O macho fez dezenas de viagens trazendo barro no bico, enquanto a fêmea se encarregava da arquitetura. Tudo planejado. Tudo cronometrado. A cumplicidade entre eles foi divina. Logo, uma casinha delicada, confortável e resistente às chuvas e ao vento surgiu. Imagino que algumas árvores que estão no canteiro central da avenida tenham influenciado na escolha do lugar. Não precisar pagar IPTU, água, luz e condomínio também deve ter contribuído. Exatamente no dia 7 de Setembro, o casal mudou-se para a nova residência. Assistimos ao desfile juntos por um bom tempo, até que a banda do exército, bastante barulhenta fez com que o casal voasse em direção ao Big, provavelmente para aquela área verde próxima ao Mac Donalds. Uma manhã acordei surpresa com o cantar dos meus novos vizinhos. Era um som estridente, doce e alegre. Senti-me em meio à natureza, num desses dias azuis e amarelos de quase primavera. Que cena bonita, que contraste interessante um casal de João de Barro vivendo no centro da cidade e ao mesmo tempo totalmente alheio a ela. Todos os dias eu dou uma espiada para ver se a casa continua habitada. Quero vê-los da minha janela por muito tempo. Percebi como é agradável sentir a natureza na sua mais pura essência provando que não preciso de tanta racionalização. Essa é uma das formas que encontrei de fazer com que o tempo reduza sua velocidade e me faça parar para apreciar pequenas grandes coisas que podem me tornar mais sensível, mais humana, mais terna. Setembro/2013