terça-feira, 17 de setembro de 2013

SONHOS

Impossível planejar uma saída num fim de semana indecentemente frio e chuvoso. Melhor mesmo é olhar filmes, ler e comer bolinhos de chuva. Quem acompanhou O Sítio do Pica-Pau Amarelo deve lembrar os Bolinhos que tia Nastácia fazia para Pedrinho, Narizinho e a boneca Emília. Monteiro Lobato batizou-os com o nome da negra: Bolinhos de Tia Nastácia. Mais tarde, foram chamados de bolinhos de chuva, uma vez que era a alegria das crianças que não podiam brincar no quintal por causa da chuva. Já fazia algum tempo que minha filha pedia para que eu fizesse os tais bolinhos. Para isso, duas coisas eram necessárias: disposição para ir para a cozinha e chuva. Como fazer bolinhos de chuva sem chuva? Nesse domingo, chuva tinha demais e vontade de cozinhar, de menos. Quando eu era criança, os bolinhos de chuva chamavam-se “Sonhos”. Nos dias em que o sol teimava em não aparecer e a chuva surgia no início da tarde, minhas irmãs e eu sabíamos que comeríamos Sonhos no chá das quatro. Em nossa família, qualquer refeição era sempre uma festa. Herança de meus avós italianos. Minha mãe era mestra na arte de nos empanturrar com guloseimas. Era uma das formas de demonstrar carinho. Também herança italiana. Da mistura de farinha, ovos, leite, açúcar e fermento surgia uma massa mágica que se transformava em sonhos. Com uma habilidade de dar inveja, minha mãe despejava colheradas da massa encantada no óleo quente que, em poucos minutos, dobrava de volume e surgiam bolinhos fofos, redondos e corados. Nós quatro ficávamos em volta do fogão desfrutando daquele ritual com um olhar contemplativo. Era um grande espetáculo. Depois, os sonhos eram saboreados com açúcar refinado e canela em pó. Que festa! Vejo agora que precisávamos de tão pouco para sorrir. A felicidade vinha em pedacinhos. Nesse domingo decidi presentear minha filha com bolinhos de chuva. Vesti o avental e fui para a cozinha. Segui a receita com a fidelidade de um labrador; os anos não a apagaram da minha lembrança. Não tenho a habilidade de minha mãe nem de tia Nastácia, mas certos riscos compensam. Tive sorte. Parece um sonho... Os sonhos cresceram! E ficaram redondos e corados. Minha filha, adolescentemente linda, limitou-se a dizer que estavam bons. Vivendo em uma sociedade megaconsumista como a nossa, os sonhos não passam de bolinhos de chuva e são encontrados em qualquer confeitaria. Não vi nenhum encantamento em seu olhar. Tão pouco foi uma festa para ela. Hoje os sonhos são diferentes. É preciso muito mais. A vida está infinitamente mais easy. Setembro/2013