sexta-feira, 3 de fevereiro de 2017

ASSIM CAMINHA A HUMANIDADE

A secretária que me atendeu tinha um sorriso bonito e delicadeza no trato. Pediu-me a carteira do convênio, prova viva de que no fim do mês seu salário estaria garantido. Gentilmente me conduziu à sala ao lado. Alguns minutos depois, outra funcionária me acompanhou até o segundo piso para que lá eu aguardasse ser chamada pelo nome.  Feito isso, uma terceira atendente, dessa vez com cara de poucos amigos, me chamou pelo nome e me levou até um aposento minúscula. Me deu algumas instruções: tirar a blusa, vestir o jaleco, deitar na maca e aguardar o médico.  Assim se comporta a maioria dos funcionários de clínicas médicas. Com pragmatismo, eficiência e indiferença. É o frio protocolo.  Me senti tensa e manuseada como troco de ônibus.  Em minha solene solidão, passei a observar o gélido ambiente que me acolhia. Dois monitores piscavam e indicavam alguns dados estranhos. Um aparelho gigantesco, cheio de botões e teclas emitia um som misterioso, de pouco intensidade, mas contínuo. Com a penumbra do ambiente, aquelas luzes mortiças passaram a me assombrar. Algumas seringas sobre a mesinha compunham a cena dignamente. E eu ali, olhando para o nada, cheia de medos, sentindo-me invisível. O que pode ser mais assustador do que o desconhecido? Dentro de minutos estaria expondo minhas mazelas físicas para um homem estranho vestido de branco. Quis bater em retirada. Me contive. Tranquei o choro. Naquele emaranhado de emoções, comecei a costurar lembranças dolorosas sobre a doença que vitimou minha mãe. Tudo ali fazia eu voltar no tempo.  Pensei nas longos dias que ela e eu perambulamos juntas na solidão desses lugares com a esperança de que os homens de branco encontrassem fiapos de esperança para aquele corpo sofrido. - Um minuto de silêncio para aqueles que lutam por restos de vida -. Já odiei esses profetas anônimos que antecipam a ideia de morte por conta de seus saberes. Então comecei a me embrulhar nesses pensamentos e não sabia como sair desses embrulhos. As batidas no meu peito se aceleraram. Por maior que seja a pena, não haverá castigo mais duro do que ver a vida de quem amamos esvair-se. E os que partem esquecem o caminha de volta. Embora a vida nos ensine a administrar nossa dor, a consciência nos torna covardes. E quem fica se mantem na eterna luta de prolongar sua existência peregrinando por consultórios na tentativa de antecipar-se às doenças. E lá estava eu farejando as minhas. Despertei daquela letargia que fazia fronteira entre a realidade e a imaginação com a voz do radiologista dizendo que o exame havia terminado e que eu poderia me vestir. Olhei para ele com respeito porque conhecimento exige respeito. É grave doutor?

Ângela Maria Lorenzoni Sauthier
Janeiro/2017


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