Marx afirma que a luta de classes
é o que anima a humanidade. Freud acha que é o sexo. Para mim, perdoem-me a
pretensão, o que nos impulsiona é o sonho. Não me refiro àquela fantasia que
acontece durante o sono que a psicanálise define como cargas emocionais
armazenadas no inconsciente. Falo do sonho como desejo, ânsia, aspiração,
objetivo. Ele não precisa ser imenso, mas intenso como as enxurradas que surgem
abruptas em céus cor de chumbo. Sonhos
são vontades que nos incitam, que nos fazem sair da cama pela manhã, que nos
mostram o rumo a seguir. Na infância, eles se misturam à imaginação açucarada e
prazerosa envoltos aos hormônios que estão sendo produzidos. De fácil acesso,
surgem e somem sem deixar rastro. Quando não realizados, são substituídos por
outros, sem problemas. Um cãozinho de
estimação, uma bicicleta nova, o celular da moda e, com o tempo, dependendo das
posses, vão se sofisticando cada vez mais. Fase folgada essa, pois nada depende
da gente. Temos que simplesmente desejar. Se ganharmos, estaremos no lucro E
assim vamos borboleteando até a barulhenta juventude que surge derramando
planos e experiências sôfregas. Época de
despertar paixões, convulsionar, mas também de traçar caminhos, investir no
futuro. Nessa ocasião, juramos de punhos cerrados que seremos felizes para
sempre com o parceiro que escolheremos, que nossos filhos serão lindos e bem
educados, e a fama esmagadora virá ao nosso encontro. Lá na frente, oscilando
entre severa e exuberante, surge a maturidade. Às vezes sorridente, às vezes
desapontada. Deveria ser o tempo de fazer boas colheitas, de realização
profissional. Mas ainda temos prazo para refazer aquilo que não saiu a
contento, lavar as mágoas que teimam em permanecer em nosso coração, seguir lutando
para sermos úteis e justos, e quem sabe, admirar nossas conquistas. E depois? O
que vai nos restar? Podemos continuar sonhando na velhice? Um dia desses, questionei
meu amigo e colega Jâneo sobre a necessidade de sonhar. Jâneo é um jovem
professor de filosofia, estudante de artes cênicas e mestrando em educação. É
inteligente, criativo, dinâmico e dono de uma criticidade oceânica.
Perguntei-lhe o que nos move na velhice. As lembranças, prontamente ele falou.
Diante daquela resposta assustadora, me senti paralisada. Revisitar o passado
nos dá energia suficiente para viver o presente? Seria assim o último ciclo de
nossas vidas? Viver de recordações? É o mesmo que esperar por nada e admitir
que o tempo passou de vez. E essa coisa cheia de vida e alegria que pulsa
dentro da gente sai de cena? Seria desolador. Sim, isso é morrer. Quero crer
que a velhice é a fase em que armazenamos conhecimentos, experiências, amores
bem e mal resolvidos, amizades verdadeiras e acima de tudo vontades. Vontade de
fazer exatamente aquilo que por várias razões não pôde ser feito antes. Na
metamorfose dos anos, temos que encontrar razões para continuar vivendo. Se o
comportamento humano é modelado pela cultura, e a expectativa de vida do homem
aumentou, quero ser desafiada sempre, mesmo na senilidade. Desculpe, meu amigo Jâneo. Preciso violar a
tua tese. É uma questão de vida ou morte.
Ângela Maria Lorenzoni
Sauthier
07/01/2016
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