A secretária que me atendeu tinha um sorriso bonito e
delicadeza no trato. Pediu-me a carteira do convênio, prova viva de que no fim
do mês seu salário estaria garantido. Gentilmente me conduziu à sala ao lado.
Alguns minutos depois, outra funcionária me acompanhou até o segundo piso para
que lá eu aguardasse ser chamada pelo nome.
Feito isso, uma terceira atendente, dessa vez com cara de poucos amigos,
me chamou pelo nome e me levou até um aposento minúscula. Me deu algumas
instruções: tirar a blusa, vestir o jaleco, deitar na maca e aguardar o médico.
Assim se comporta a maioria dos funcionários
de clínicas médicas. Com pragmatismo, eficiência e indiferença. É o frio
protocolo. Me senti tensa e manuseada
como troco de ônibus. Em minha solene solidão,
passei a observar o gélido ambiente que me acolhia. Dois monitores piscavam e
indicavam alguns dados estranhos. Um aparelho gigantesco, cheio de botões e
teclas emitia um som misterioso, de pouco intensidade, mas contínuo. Com a
penumbra do ambiente, aquelas luzes mortiças passaram a me assombrar. Algumas
seringas sobre a mesinha compunham a cena dignamente. E eu ali, olhando para o
nada, cheia de medos, sentindo-me invisível. O que pode ser mais assustador do
que o desconhecido? Dentro de minutos estaria expondo minhas mazelas físicas
para um homem estranho vestido de branco. Quis bater em retirada. Me contive.
Tranquei o choro. Naquele emaranhado de emoções, comecei a costurar lembranças dolorosas
sobre a doença que vitimou minha mãe. Tudo ali fazia eu voltar no tempo. Pensei nas longos dias que ela e eu
perambulamos juntas na solidão desses lugares com a esperança de que os homens
de branco encontrassem fiapos de esperança para aquele corpo sofrido. - Um
minuto de silêncio para aqueles que lutam por restos de vida -. Já odiei esses
profetas anônimos que antecipam a ideia de morte por conta de seus saberes. Então
comecei a me embrulhar nesses pensamentos e não sabia como sair desses
embrulhos. As batidas no meu peito se aceleraram. Por maior que seja a pena,
não haverá castigo mais duro do que ver a vida de quem amamos esvair-se. E os
que partem esquecem o caminha de volta. Embora a vida nos ensine a administrar
nossa dor, a consciência nos torna covardes. E quem fica se mantem na eterna
luta de prolongar sua existência peregrinando por consultórios na tentativa de
antecipar-se às doenças. E lá estava eu farejando as minhas. Despertei daquela
letargia que fazia fronteira entre a realidade e a imaginação com a voz do
radiologista dizendo que o exame havia terminado e que eu poderia me vestir.
Olhei para ele com respeito porque conhecimento exige respeito. É grave doutor?
Ângela Maria Lorenzoni Sauthier
Janeiro/2017
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